O museu vivo de Maria Gonzaga

Entramos no 28 e saímos ao pé do cemitério, o destino é o armazém de Guarda-roupa de Maria Gonzaga. O espaço é grande, amplo, e apesar das muitas paredes, é quase impossível dar conta delas – estão tapadas, pelo recheio que enche todo o lugar – roupas, sapatos, figurinos, adereços de figurinos, adereços de cenário, mobílias, tecidos soltos, e umas simpáticas senhoras que nos acompanham até ao local onde se encontra Maria Gonzaga.

Passando diversas salas todas cobertas de roupa, sendo o tecto um dos mais cobertos espaços, com cabides pendurados, – valha-nos a altura de pé do armazém, senão a área teria que ser maior – chegámos ao espaço onde Maria se encontra a coser e nos recebe amavelmente, sentem-se aí onde quiserem.

Enquanto fala com as pessoas que dela precisam, entre funcionárias e os seus próprios pais, esperamos a conversa de olhos abertos. Todo este espaço e o que ele contém nos enche, estamos cheias num espaço cheio. Inicia-se uma conversa – com o cunho pessoal que não pode ser presente numa conversa -, fala-nos um pouco do quão atarefada está – cose um fato para um espetáculo que terá lugar no S.Carlos, pois há que mostrar texturas ao figurinista.

Então, fale-nos um pouco de como é que isto (o Guarda-Roupa) começou…

Não preferem antes saber como é que vai acabar?

Apanhou-nos um pouco de surpresa, e sentimos alguma tristeza nestas palavras, que se seguiram com a sinceridade e o carinho de quem começou um sonho há 24 anos, e que vê perto do fim pelo pouco apoio à cultura em Portugal, consequência primária da crise económica actual.

Isto só está aberto porque sou uma casmurra. É um sonho que se está a tornar num pesadelo.

Confessa que pagar os impostos e ordenados, há já algum tempo que deixa pouco para pagar a renda, renunciando obviamente ao lucro. O trabalho diminuiu, uma vez que quando há cortes na cultura, tanto o cinema como o teatro – os principais clientes – acabam por ter na lista de redução de despesas o guarda-roupa e assim o negócio vai decaíndo. Um negócio sim, um cheio de amor à arte de criar e produzir, e com todo o carinho de quem mais do que vender, decide dar uso às suas peças e tem uma paixão imensa pelas criações ao longo de tanto tempo.

Nunca quis aqui capitalistas, perdia a minha independência. Quando eu quisesse emprestar não me deixavam.

Aqui é o coração e o altruísmo de certa maneira, a falar. Maria não se inibe de emprestar aos seus amigos e aos que precisam e não têm meios para pagar as suas peças, como por exemplo, referiu que costuma disponibilizar o seu material para um grupo de velhotes da igreja do Santo Condestável, que, de tempo a tempo, organizam uns pequenos espetáculos.

No entanto, assume que apesar do pouco interesse demonstrado pela Junta de Freguesia, a Câmara Municipal vê neste negócio um espólio que deve ser preservado. É um museu, mas vivo. A vereadora da Câmara já lá foi numa visita, assim como outros encarregados, e a própria diz que isto não pode acabar. Estão num impasse há algum tempo a tentar encontrar um outro espaço, para poderem então manter o espólio sem ter que abrir falência.

Este sonho é hoje um guarda-roupa, um atelier, uma lavandaria, etc. Criado há 24 anos, quando Maria Gonzaga tinha 40 anos e trabalhava em cinema como figurinista, este espaço era o seu sonho. Via necessidade de um sítio onde se fosse procurar tudo isto, onde se pudesse encontrar um mundo e as pessoas se pudessem reunir, criar. Era preciso um lugar onde se encontrassem estas peças para cinema, teatro, musicais, etc. As criações que fazia na altura eram depois entregues aos costureiros e à produção e, por vezes, perdiam-se. Nada disto é menos do que a arte a que depois davam vida, estas criações têm muito trabalho, empenho e especial amor à coisa.

Começou num pequeno espaço de 300 m2 ao pé da Academia das Ciências, e conforme o negócio foi crescendo, precisou de um espaço maior, e foi assim que se instalou no bairro de Campo de Ourique, tendo como vista da porta de rua, o muro do cemitério dos Prazeres. Quando o negócio começou a decair, fui tirar um mestrado para a ESTC.
Precisava de me reciclar, aprender técnicas novas. Foi muito giro, mas depois voltei para o meu mundo.

Quanto ao bairro de Campo de Ourique, sente que está na periferia, e portanto as pessoas têm pouco conhecimento da existência deste espaço. Em tempos abriu também uma loja vintage, para poder dar uso a algumas peças das milhares que ali existem. Mas acabou por fechar, pois as pessoas só vinham quando se criava algum evento. Criava-se uma actividade, comunicava-se no facebook, e nesses dias vinha muita gente. Mas fora isso, nada. O local não ajuda, não fica numa rua principal e isso sente-se.

As pessoas aqui da rua dizem que isto é A casa dos artistas.

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